como a metodologia Jobs-To-Be-Done pode ser usada para a cocriação de experiências únicas para seu cliente?
Por Plínio Monteiro
Resumo
Nesse artigo você irá descobrir por que criar soluções integradas de maneira colaborativa é essencial para manter sua empresa e negócio competitivos. E, principalmente, por que não basta ouvir a voz do cliente para desenvolver soluções adequadas para atender seu público, sendo necessário entender e priorizar as tarefas realizadas pelos seus clientes para desenvolver uma proposta de valor superior.
Introdução
Você ainda tem um álbum de fotografias em casa? Não faz muito tempo e as pessoas registravam suas experiências utilizando câmeras analógicas. Nessa época se a Kodak perguntasse aos seus clientes o que eles queriam em uma câmera, as respostas possivelmente apontariam para uma fotografia mais nítida e uma câmera leve com design agradável. Elas nunca falariam que gostariam de ter uma conta em uma rede conectada pela internet, como o instagram. E a Kodak? Bom, essa história você já conhece.
Logo se vê que desenvolver soluções, produtos e serviços que se destaquem no cenário atual de competição acirrada é essencial para que as empresas se mantenham no mercado. Assim, cada vez mais gestores e profissionais descobrem que é essencial criar valor para o mercado por meio da colaboração com redes formadas por fornecedores, distribuidores, parceiros e clientes para que resultados positivos sejam alcançados de maneira duradoura. Esse processo cooperativo é o ponto de partida para desenvolver inovações que se transformem em experiências valiosas para seus clientes. Por isso que para conquistar e fidelizar seus clientes você terá que adotar medidas para potencializar a cocriação de valor, com o objetivo de oferecer uma experiência especial para seu público, ou seja, soluções que integrem diferentes elos da rede de valor com vistas a oferecer soluções mais completas, baratas ou eficientes para seu público.
Mas como descobrir o que é valioso para o meu cliente?
A maioria dos profissionais acredita que o ponto de partida para criar uma oferta de produto ou serviço com uma experiência valiosa é perguntando o que o cliente quer ou espera da sua empresa. Grande engano! Ora, se isso fosse verdade, então o que explicaria as elevadas taxas de fracasso das inovações [1]? O que explicaria o fracasso de empresas que anteriormente tinham um enorme sucesso, como a Kodak e Nokia, mas que perderam a capacidade de atender e entender o que é valioso para seu cliente?
O fato é que as pessoas associam os produtos ou serviços a determinadas características, como design, preço, resistência ou durabilidade. Enquanto consumidores não pensamos nos produtos ou serviços como formas de solução de problemas. Um carro, por exemplo, é percebido por nós como um produto, composto por atributos como a tecnologia, a aparência, o consumo e a manutenção. Não estamos acostumados a pensar que um carro é uma forma de nos levar de um ponto a outro da cidade, um meio para melhorar a autoestima ou promover um determinado status quo. Mas, em última instância, quando compramos um carro estamos buscando uma forma de resolver exatamente problemas como esses, que variam de pessoa a pessoa, da melhor forma possível. E se você perguntar ao cliente o que ele valoriza em um carro, as respostas invariavelmente irão remeter aos atributos tradicionais da oferta (design, consumo, manutenção, etc…), raramente aos problemas que o carro ajuda a resolver. As pessoas não irão dizer que precisam de uma forma de se deslocar com segurança e economia no dia a dia…. claro, isso antes do advento do UBER.
“As pessoas não sabem o que querem até você mostrar a elas”.
Essa celebre frase de Steve Jobs ilustra o problema das abordagens típicas para entender o que o mercado quer: o cliente típico não pensa “fora da caixa”! Assim, você não vai descobrir novas formas de ajudar seu cliente se perguntar o que ele espera de você!
Então para inovar eu não posso escutar o que meu cliente quer?
A resposta é SIM e NÃO! SIM, você tem que escutar seu cliente. E NÃO: você não pode fazer o que cliente quer! Você precisa descobrir o que seu cliente precisa, quais são seus problemas. Assim, você terá que ouvir seu cliente, mas terá que fazer as perguntas certas.
Para ser capaz de criar valor de forma colaborativa você precisa mudar o foco da análise, que não pode ser direcionado às necessidades, benefícios ou características esperadas pelo cliente. Seu objetivo deve ser entender como sua oferta pode ajudar a resolver os problemas dos clientes, de maneira simples, rápida, barata e completa. Isso por que os problemas dos clientes são relativamente estáveis, enquanto as alternativas de solução de problemas (ou seja, as ofertas, produtos ou serviços) mudam muito ao longo do tempo. Podemos tomar o exemplo da comunicação, necessidade que sempre existiu, não é? Mas e as soluções para a comunicação?
Ao longo da história as formas de resolver esse problema mudaram e continuam mudando radicalmente. Do pombo correio, aos mensageiros, das cartas ao telefone, do e-mail para o Whatsapp! Soluções inovadoras do passado solucionaram o problema da comunicação e outras novidades continuarão a resolver essa tarefa melhor do que antes em um fluxo contínuo e, por vezes disruptivo, de inovações que ganham espaço e substituem as formas antigas de atender ao público. Então você precisa ter em mente em como responder às seguintes perguntas:
“Quais as tarefas o meu cliente realiza para resolver seus problemas? O que eu posso fazer para ajudá-lo nessas tarefas?”
Para responder essas questões em um processo de cocriação de valor com foco no cliente é que Clayton Christensen desenvolveu a metodologia Jobs-Tob-Be-Done [2].
O que é a metodologia Jobs-To-be-Done?
A metodologia Jobs to be done (JTBD) consiste em um método de identificação dos principais problemas dos clientes, visando apoiar o desenvolvimento de inovações capazes de entregar valor superior para seu público. O objetivo da metodologia é identificar as maiores oportunidades de inovação na experiência do cliente considerando distintos segmentos de mercado de uma empresa ou setor. Sua aplicação é uma alternativa prática para desenvolver soluções voltadas para atender demandas não atendidas dos consumidores, incluindo a identificação de pontos de ruptura no modelo de negócios das organizações.
Com base nas prioridades identificadas pela metodologia JTBD você e sua rede (de parceiros, fornecedores e distribuidores) poderão desenvolver formas inusitadas de solucionar os problemas dos clientes, detalhando os ganhos e as dores do seu cliente, e chegando a uma nova proposta de valor para sua empresa [3]. Ou seja, se você descobrir quais são as tarefas do cliente, poderá pensar junto com seus parceiros em novas maneiras de solucionar os problemas dos seus clientes, entregando uma proposta de valor superior no mercado. Veja abaixo o exemplo de uma prancha (skate) acoplável para carrinho de bebê, ilustrando como as tarefas dos clientes são a base para desenvolver uma proposta de valor ganhadora [4].
Fonte: Elaborado por Fábio Roberto Borges e Extraído de: http://fabiorobertoborges.com/blog/canvas-de-proposta-de-valor/
É nesse sentido que se você entender bem as tarefas do cliente (os Jobs to be done) poderá pensar, com o apoio de sua equipe e parceiros, em soluções que se tornem uma experiência completa para seus clientes. Com isso a empresa evita se perder em um universo de aperfeiçoamentos, melhorias e lançamentos que custam caro, são arriscados e, que ao fim, não atendem bem os clientes.
Além de apontar caminhos para a inovação, entender as tarefas dos clientes torna mais fácil perceber quem são os concorrentes. Por exemplo: um fabricante de carros pode considerar os seus concorrentes outras montadoras, mas se pensasse pela lógica JTBD, a empresa provavelmente incluiria outros fornecedores de solução para o transporte (metrôs, ônibus, bicicletas…). Esse conhecimento pode ser essencial para grandes empresas que precisam se preparar para concorrer com modelos de negócios disruptivos e orientar a sua diversificação estratégica, por meio do empreendedorismo, spinoffs ou aquisições de startups.
Nessa mesma direção, a segmentação das empresas no mercado feita através dos jobs de seus clientes também seria vantajosa, pois iria focar em grupos de pessoas com os mesmos problemas, no lugar de algumas características semelhantes. Isso permite uma forma de criação de segmentos e personas mais alinhadas com diferentes abordagens para inovação em uma organização.
Mas como funciona a metodologia Jobs-to-Be-Done?
A metodologia inicia identificando quais são as principais tarefas realizadas pelos seus clientes. Isso é feito a partir de entrevistas realizadas com seus clientes, com especialistas e a partir de grupos de discussão com sua equipe e outros profissionais. O objetivo dessa etapa é definir a jornada de solução de problemas do seu cliente e quais são as tarefas realizadas nesse processo. Em um caso aplicado no mercado B2B, por exemplo, os clientes podem ter como suas tarefas desenvolver competências, alinhar a cultura organizacional, mobilizar sua equipe para o futuro ou operar em um contexto global. Cada um desses processos são agrupadas em etapas (steps), tarefas principais e tarefas secundárias, que especificam os problemas que precisam ser resolvidos para que as tarefas sejam cumpridas.
Em sequência na metodologia são conduzidas entrevistas com um grupo representativo dos clientes da empresa, onde se analisa o quanto os clientes estão satisfeitos com o desempenho dessas tarefas, o quanto eles percebem essa tarefa como importante para o sucesso e o impacto dessas tarefas na performance do seu cliente [5].
Por exemplo, se tomarmos um exemplo de um cliente que precisa se deslocar de maneira efetiva, uma etapa essencial poderia ser definir rota mais rápida. Se um cliente não consegue definir a rota mais rápida e percebe que isso é muito importante para se deslocar de maneira efetiva, essa seria uma tarefa prioritária que uma montadora de automóveis ou aplicativo de transporte deveria ser capaz de ajudar o cliente a solucionar para criar uma oferta de valor superior. E Isso independente de qual seria a oferta, tecnologia ou processo. Para o cliente o que importa é a capacidade de ajudá-lo a solucionar o problema de maneira efetiva.
Fazendo essa análise para um grupo representativo de clientes da empresa, pode-se chegar a tarefas prioritárias para diferentes segmentos de mercado, apontando as soluções que devem ser desenvolvidas para conquistar e fidelizar clientes.
Mantendo o exemplo de uma empresa que oferece soluções para o desenvolvimento organizacional no contexto B2B, apresentado previamente, suponha que a pesquisa tenha sido realizada com um segmento denominado firmas locais. Abaixo você poderá ver um extrato do resultado da aplicação da metodologia JTBD, destacando as tarefas e o grau de oportunidade que a empresa fornecedora teria para desenvolver soluções que ajudem a resolver cada uma dessas tarefas.
Os resultados da pesquisa listados na tabela anterior indicariam que a principal prioridade de inovação para empresa fornecedora seria ajudar as firmas locais a desenvolver suas competências, dado que essa seria a etapa mais importante e com menor satisfação por parte desse segmento. Uma forma auxiliar de apresentar esses resultados seria criar um gráfico de satisfação e importância, como o destacado abaixo.
Dentro dessa etapa, várias subtarefas seriam analisadas, como capacidade de recrutamento e seleção, treinamento, gestão eficiente das operações ou de comunicação com o mercado. Isso permitiria priorizar as tarefas mais abrangentes até aquelas mais específicas. Ou seja, a empresa fornecedora deveria ser capaz de desenvolver uma proposta de valor que tenha como ponto central ajudar seus clientes a desenvolver competências em diferentes níveis, priorizados de acordo com a oportunidade oferecida por cada tarefa.
E seu eu aplicar a metodologia JTBD, a minha empresa vai alcançar resultados superiores?
A metodologia JTBD tem sido aplicada em diferentes setores e países com o intuito de direcionar os esforços de inovação das empresas. A sua aplicação é o ponto de partida para desenvolver o que chamamos de soluções integradas, um conjunto de produtos, serviços e experiências voltadas para atender os clientes naqueles problemas prioritários, por meio da cocriação de valor por uma rede de parceiros, fornecedores, distribuidores e dos próprios clientes. Essa abordagem já foi aplicada pelos autores desse trabalho em diferentes empresas e organizações, e as evidências mostram que um conjunto integrado de inovações com foco no cliente são uma importante fonte de vantagem competitiva.
Em um caso aplicado a uma multinacional no setor químico, identificamos que a capacidade de solucionar problemas tinha grande impacto na performance de longo prazo dos clientes. Sabendo os determinantes da performance dos clientes, sua importância e satisfação, a empresa desenvolveu um sistema de soluções integradas como parte de seu programa de gestão de relacionamento com o cliente, incluindo novos produtos e serviços, mas, principalmente, um amplo programa de inovação que visava desenvolver soluções que, apesar de manterem pouca relação com o negócio central da empresa, deveriam ser incorporadas à sua proposta de valor, seja pela empresa ou um de seus parceiros da rede de valor, uma vez que eram fundamentais para a performance de seus clientes [6]. Em outro caso, aplicado a uma organização que oferece soluções para desenvolvimento empresarial e organizacional, uma pesquisa realizada com empresas de diferentes setores em todo o Brasil identificou que a capacidade de solução de problemas era fundamental para que a empresa conseguisse colocar em prática inovações em seus modelos de negócios em cenários de crise econômica e que isso geraria um aumento da competitividade. E as firmas que conseguiram inovar na direção dessas capacidades tiveram um desempenho superior à concorrência, mesmo no cenário turbulento da atualidade [7]. Com base nos resultados dos estudos, foram desenvolvidas mudanças no modelo de negócios da organização, visando apoiar seus clientes naquelas tarefas mais importantes para o sucesso em seu negócio.
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Para saber mais:
[1] G. Castellion and S. K. Markham, “Perspective: New Product Failure Rates: Influence of Argumentum ad Populum and Self-Interest,” J. Prod. Innov. Manag., vol. 30, no. 5, pp. 976–979, Sep. 2013.
[2] C. M. Christensen, S. D. Anthony, G. Berstell, and D. Nitterhouse, “Finding the Right Job For Your Product,” MIT Sloan Manag. Rev., vol. 48, no. 3, pp. 38–47, 2007.
[3] D. Silverstein, P. Samuel, and N. DeCarlo, The Innovator’s Toolkit, 1st ed. Cambridge: Harvard Business School, 2012.
[4] A. Osterwalder, Y. Pigneur, G. Bernarda, and A. Smith, “Value proposition design,” 1st ed., New York: Strategyzer series, 2014, p. 290.
[5] S. Wunker, J. Wattman, and D. Farber, Jobs to be Done: A Roadmap for Customer-Centered Innovation, 1st ed. New York: AMACON, 2016.
[6] P. R. R. Monteiro, Á. H. P. Ribeiro, and L. L. B. Vianna, “The use of the Job to Be Done technique to identify value cocreation opportunities in the context of the Service Dominant Logic Dominante do Serviço,” Brazilian Bus. Rev., vol. 6, no. 3, p. 16, 2018.
[7] L. L. B. Vianna, “Capacidades de negócio, inovação e desempenho em um contexto b2b. uma aplicação da metodologia jobs to be done,” Universidade Federal De Minas Gerais, 2018.